quinta-feira, 9 de junho de 2011

LICEU D. JOÃO DE CASTRO, 2000, 2011

Nas Crónicas que há quase uma dúzia de anos atirava ao Atlântico Norte, a caminho do Canadá, e lá se secavam nas páginas do "Sol Português", sob o titulo de "Lisboa que Amanhece", houve uma, faz agora mais ou menos uns onze anos que começava assim:

"Eu faço parte de um grupo de privilegiados."...

Aqui vai ela toda, e no fim já vos conto porquê.


LISBOA QUE AMANHECE

Eduardo Martins *

Eu faço parte de um grupo de privilegiados.

Há quarenta e quatro anos, já o Salazar tinha declarado que para os portugueses, bastava saber ler,

escrever  e contar, e para isso a 4ª classe
(2° grau, era assim que se chamava o exame que então se fazia),

era mais que suficiente, acabando assim o ensino escolar obrigatório, após 4 laboriosos anos na Escola
Primária, em que se tinham de saber de cor e debitar os nomes dos Reis de Portugal, os nomes das

serras e dos rios e seus afluentes, além das linhas férreas, ramais incluídos, do Minho a Timor.
A partir dai a maior parte dos jovens, parava os estudos, e, ou ia ajudar os pais na agricultura, ou no
comércio, ou começava a trabalhar em oficinas, como aprendiz, aos 11 ou 12 anos, numa altura em

que todo o dinheiro que entrasse em casa era bem vindo, e ainda não se vociferava contra o chamado

trabalho infantil.

Os menos privilegiados, para quem a vida escolar teria mais 5 anos, iam para as Escolas Comerciais e
Industriais, e por volta dos 15 anos, se não "chumbassem", estariam também aptos a obter um

"diploma", que os habilitava a entrar no mundo do trabalho duma forma mais "qualificada", ou então a

 ascender, com um pouco mais de privilégio, a um "Curso Médio" nos Institutos Comerciais e

Industriais, findo o qual eram classificados como Técnicos de Contas ou Agentes Técnicos de

Engenharia.

O topo do privilégio desta forma laboriosa, era obtido com a admissão a "Económicas e Financeiras",

ou à Engenharia no Instituto Superior Técnico, no caso de Lisboa, ou na Faculdade de Engenharia, no

caso de Coimbra ou Porto.

O curso superior era tirado nestes casos com muito sacrifício, tanto físico, porque quase sempre o

curso era tirado à noite, depois de um dia de trabalho, como económico, porque a maior parte das

vezes os meios não abundavam...

Os outros jovens, uma minoria ainda maior, conseguiam ter acesso ao Liceu! E isto porque se calhar a

sua prestação de trabalho para a economia familiar, não era tão necessária, mesmo que isso implicasse,

em alguns casos, grandes sacrifícios dos pais, e se podiam dar ao "luxo" de passar mais 7 anos (pelo

 menos...) a estudar e a gastar dinheiro aos "encarregados de educação", até conseguirem fazer a

admissão a um curso superior, e depois serem doutores, engenheiros ou arquitectos ...

Este arrazoado todo vem a propósito, por exemplo, das diferenças profundíssimas entre o Portugal de

umas décadas atrás e o de agora, em que tudo é mais complicado, dadas as solicitações existentes, a
necessidade de cumprir as prerrogativas da União Europeia, e as novas "Pestes" do século, sejam a
Droga, e a correlativa Sida, ou as faltas de perspectiva de vida profissional num mundo hostil e
competitivo.

E assim quase como um regresso às origens "privilegiadas", a oportunidade anual de que eu e mais

uma centena e tal de cidadãos portugueses, e residentes lisboetas, tem tido de se rever, relembrar

histórias, cumprimentar antigos professores, avaliar as rotundidades e as ausências capilares ou

odontológicas, no almoço da Associação dos Antigos Alunos do Liceu D. João de Castro, que este

ano, em que se comemoram os cinquenta anos das actuais instalações do Liceu no Alto de Santo

Amaro, se realizou no cenário magnifico do Restaurante da Piscina Atlântica de Oeiras.

Há em Lisboa, óptimos exemplos de Liceus que fizeram história, pela qualidade pedagógica dos seus
docentes, pelo ambiente fraterno que se vivia, pelos nomes que se tornaram célebres, nas artes, nas
ciências e na política.

Mas desculpem, Associação organizada, com Escritura feita e mais de 700 sócios, entre os setenta e tal
anos e os quarenta e tal, e com sede própria, no recinto do Liceu, onde nos podemos encontrar e beber
um copo... de efeitos clínicos garantidos, a nossa é única no panorama nacional!

É por isso que eu escrevo que sou um privilegiado: Tive a sorte de poder ir para o Liceu, de o concluir,

de tirar um curso superior, de exercer uma profissão em conformidade, e , de vez em quando ir rever

os
colegas, fazer partidas, dizer umas piadas menos politicamente, socialmente e sexualmente

correctas, retomar uma certa inocência, dos tempos em que tudo era apesar de tudo, muito

mais simples...

* Lisboeta relembrando uma adolescência feliz



Este ano, o Almoço foi no Domingo 15 de Maio, e eu não pude ir porque tive de ir para


Olhão fazer "Baby - Sitting" à minha neta, ou melhor "Grand-Daughter - Sitting"...

E eu que já me tenho baldado uma série de anos a estes almoços, até tinha metido na


cabeça que ia, mas um SOS familiar, necessidades de tarefas inadiáveis que não se podiam

realizar com bebés à ilharga, e lá fomos nós... (com todo o prazer, diga-se de passagem,

porque 300 quilómetros nos separam, e só vemos filho, nora e netos de quando em vez.

Mas ontem realizou-se mais um jantar de um grupo mais restrito de ex-alunos do D. João de


Castro, e desse já escrevo daqui a bocado.



                                              


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