"Eu faço parte de um grupo de privilegiados."...
Aqui vai ela toda, e no fim já vos conto porquê.
LISBOA QUE AMANHECE
Eduardo Martins *
Eu faço parte de um grupo de privilegiados.
Há quarenta e quatro anos, já o Salazar tinha declarado que para os portugueses, bastava saber ler,
escrever e contar, e para isso a 4ª classe
escrever e contar, e para isso a 4ª classe
(2° grau, era assim que se chamava o exame que então se fazia),
era mais que suficiente, acabando assim o ensino escolar obrigatório, após 4 laboriosos anos na Escola
Primária, em que se tinham de saber de cor e debitar os nomes dos Reis de Portugal, os nomes das
serras e dos rios e seus afluentes, além das linhas férreas, ramais incluídos, do Minho a Timor.
serras e dos rios e seus afluentes, além das linhas férreas, ramais incluídos, do Minho a Timor.
A partir dai a maior parte dos jovens, parava os estudos, e, ou ia ajudar os pais na agricultura, ou no
comércio, ou começava a trabalhar em oficinas, como aprendiz, aos 11 ou 12 anos, numa altura em
que todo o dinheiro que entrasse em casa era bem vindo, e ainda não se vociferava contra o chamado
trabalho infantil.
que todo o dinheiro que entrasse em casa era bem vindo, e ainda não se vociferava contra o chamado
trabalho infantil.
Os menos privilegiados, para quem a vida escolar teria mais 5 anos, iam para as Escolas Comerciais e
Industriais, e por volta dos 15 anos, se não "chumbassem", estariam também aptos a obter um
"diploma", que os habilitava a entrar no mundo do trabalho duma forma mais "qualificada", ou então a
ascender, com um pouco mais de privilégio, a um "Curso Médio" nos Institutos Comerciais e
Industriais, findo o qual eram classificados como Técnicos de Contas ou Agentes Técnicos de
Engenharia.
"diploma", que os habilitava a entrar no mundo do trabalho duma forma mais "qualificada", ou então a
ascender, com um pouco mais de privilégio, a um "Curso Médio" nos Institutos Comerciais e
Industriais, findo o qual eram classificados como Técnicos de Contas ou Agentes Técnicos de
Engenharia.
O topo do privilégio desta forma laboriosa, era obtido com a admissão a "Económicas e Financeiras",
ou à Engenharia no Instituto Superior Técnico, no caso de Lisboa, ou na Faculdade de Engenharia, no
caso de Coimbra ou Porto.
ou à Engenharia no Instituto Superior Técnico, no caso de Lisboa, ou na Faculdade de Engenharia, no
caso de Coimbra ou Porto.
O curso superior era tirado nestes casos com muito sacrifício, tanto físico, porque quase sempre o
curso era tirado à noite, depois de um dia de trabalho, como económico, porque a maior parte das
vezes os meios não abundavam...
curso era tirado à noite, depois de um dia de trabalho, como económico, porque a maior parte das
vezes os meios não abundavam...
Os outros jovens, uma minoria ainda maior, conseguiam ter acesso ao Liceu! E isto porque se calhar a
sua prestação de trabalho para a economia familiar, não era tão necessária, mesmo que isso implicasse,
em alguns casos, grandes sacrifícios dos pais, e se podiam dar ao "luxo" de passar mais 7 anos (pelo
menos...) a estudar e a gastar dinheiro aos "encarregados de educação", até conseguirem fazer a
admissão a um curso superior, e depois serem doutores, engenheiros ou arquitectos ...
sua prestação de trabalho para a economia familiar, não era tão necessária, mesmo que isso implicasse,
em alguns casos, grandes sacrifícios dos pais, e se podiam dar ao "luxo" de passar mais 7 anos (pelo
menos...) a estudar e a gastar dinheiro aos "encarregados de educação", até conseguirem fazer a
admissão a um curso superior, e depois serem doutores, engenheiros ou arquitectos ...
Este arrazoado todo vem a propósito, por exemplo, das diferenças profundíssimas entre o Portugal de
há umas décadas atrás e o de agora, em que tudo é mais complicado, dadas as solicitações existentes, a
há umas décadas atrás e o de agora, em que tudo é mais complicado, dadas as solicitações existentes, a
necessidade de cumprir as prerrogativas da União Europeia, e as novas "Pestes" do século, sejam a
Droga, e a correlativa Sida, ou as faltas de perspectiva de vida profissional num mundo hostil e
competitivo.
E assim quase como um regresso às origens "privilegiadas", a oportunidade anual de que eu e mais
uma centena e tal de cidadãos portugueses, e residentes lisboetas, tem tido de se rever, relembrar
histórias, cumprimentar antigos professores, avaliar as rotundidades e as ausências capilares ou
odontológicas, no almoço da Associação dos Antigos Alunos do Liceu D. João de Castro, que este
ano, em que se comemoram os cinquenta anos das actuais instalações do Liceu no Alto de Santo
Amaro, se realizou no cenário magnifico do Restaurante da Piscina Atlântica de Oeiras.
uma centena e tal de cidadãos portugueses, e residentes lisboetas, tem tido de se rever, relembrar
histórias, cumprimentar antigos professores, avaliar as rotundidades e as ausências capilares ou
odontológicas, no almoço da Associação dos Antigos Alunos do Liceu D. João de Castro, que este
ano, em que se comemoram os cinquenta anos das actuais instalações do Liceu no Alto de Santo
Amaro, se realizou no cenário magnifico do Restaurante da Piscina Atlântica de Oeiras.
Há em Lisboa, óptimos exemplos de Liceus que fizeram história, pela qualidade pedagógica dos seus
docentes, pelo ambiente fraterno que se vivia, pelos nomes que se tornaram célebres, nas artes, nas
ciências e na política.
Mas desculpem, Associação organizada, com Escritura feita e mais de 700 sócios, entre os setenta e tal
anos e os quarenta e tal, e com sede própria, no recinto do Liceu, onde nos podemos encontrar e beber
um copo... de efeitos clínicos garantidos, a nossa é única no panorama nacional!
É por isso que eu escrevo que sou um privilegiado: Tive a sorte de poder ir para o Liceu, de o concluir,
de tirar um curso superior, de exercer uma profissão em conformidade, e , de vez em quando ir rever
os
de tirar um curso superior, de exercer uma profissão em conformidade, e , de vez em quando ir rever
os
colegas, fazer partidas, dizer umas piadas menos politicamente, socialmente e sexualmente
correctas, retomar uma certa inocência, dos tempos em que tudo era apesar de tudo, muito
mais simples...
correctas, retomar uma certa inocência, dos tempos em que tudo era apesar de tudo, muito
mais simples...
* Lisboeta relembrando uma adolescência feliz
Este ano, o Almoço foi no Domingo 15 de Maio, e eu não pude ir porque tive de ir para
Olhão fazer "Baby - Sitting" à minha neta, ou melhor "Grand-Daughter - Sitting"...
E eu que já me tenho baldado uma série de anos a estes almoços, até tinha metido na
cabeça que ia, mas um SOS familiar, necessidades de tarefas inadiáveis que não se podiam
realizar com bebés à ilharga, e lá fomos nós... (com todo o prazer, diga-se de passagem,
porque 300 quilómetros nos separam, e só vemos filho, nora e netos de quando em vez.
Mas ontem realizou-se mais um jantar de um grupo mais restrito de ex-alunos do D. João de
Castro, e desse já escrevo daqui a bocado.
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