terça-feira, 28 de junho de 2011

"A COLUNA DA CIDADE"

Fiz durante alguns anos parte da Direcção do "Movimento Cascais Cidade Global", ("MCCG") movimento civico com intuitos de incentivar a reorganização do território do Concelho de Cascais como um todo, (que o é efectivamente, desde Carcavelos até Alcabideche, ainda com algumas clareiras não construidas, mas tendo alastrado a construção muito para fora dos limites das povoações, não se sabendo onde acaba uma, e começa outra, e o mesmo acontecendo com as freguesias).

Um dos veículos de divulgação das ideias do "MCCG", foi o "Jornal da Costa do Sol", onde quinzenalmente com a designação genérica "COLUNA DA CIDADE", saiam artigos de divulgação e de doutrina dos principios do Movimento, que eram assegurados maioritáriamente pelo Presidente da Direcção - Vieira Santos, e algumas vezes pelo Vice Presidente - Manuel Moreira, e outras por mim próprio, modesto Secretário da mesma Direcção.

Os textos são bastante datados, e tratam de um modo geral, de assuntos locais, no entanto alguns deles ainda poderão ser legiveis com uma explicação adicional, e portanto, resolvi trazer para aqui, porque "palavrascomoascerejas", aqueles de que assumi a paternidade.

Este pretendia dar resposta subentendida aos saudosistas dos tempos passados, da manutenção da "Vila" de Cascais, que o Concelho nunca poderia ser uma cidade, que a tradição... etc. etc. que também se faziam representar em crónicas semanais no mesmo periódico...

Procurei ridicularizar a  "disfunção" entre valores passados apregoados e habitos actuais
bem vividos e com todo o conforto.

Aqui vai o texto " A Colina da Saudade"



COLUNA DA CIDADE

OU COLINA DA SAUDADE?



Hoje abandonei a Coluna da Cidade e subi à Colina da Saudade.

Isto aconteceu porque me invadiu uma grande angústia, acumulada ao longo dos tempos lendo as opiniões empenhadas  de vários colunistas e ouvindo ilustres pensadores sobre o que gostariam que fossem os sítios onde se tem de viver, o que me levou a pensar como a sua vida será cheia de contradições, e como conviverão com elas.

Gostarão de ser apelidados certamente de paroquianos ou de fregueses, nunca de cidadãos de Cascais! nunca!, t’arrenego!!, e vilãos de Cascais assumidos, têm uma escrita de pena de pato nas idéias, mas usam um teclado, um rato e um monitor de computador, e enviam os textos para onde os acolhem por correio electrónico;

Desejariam usar roupagens de ouropel, ou mais arcaicas ainda, mas ostentam fatos completos e gravata, ou mais descontraidamente, calças de ganga e colete cheio de bolsos, e ténis em vez de berzeguins;

Suspiram pelo seu Rocinante, mas não lhe saltam para a sela, antes abrem com comando à distância a porta do seu automóvel cheio de inovações tecnológicas;

Informam-se da actualidade ouvindo o som quadrifónico da aparelhagem da sua viatura, ou vendo no conforto do seu lar as centenas de canais que a televisão por cabo ou por satélite fazem chegar ao rectângulo de plasma que tão bem se integra na decoração do ambiente de tão grande conforto e actualidade das suas habitações ou lendo nas esplanadas ao fim de semana as centenas de páginas hebdomadárias que lhes são vendidas em sacos de plástico, com várias brochuras publicitárias dos mais variados produtos de consumo, tudo isto quando o que gostariam era de saber das novidades pelo arauto anunciado ao rufar dos tambores e das trombetas, que ouviriam das janelas sem vidros dos seus castelos com paredes de  pedra nua, e sem qualquer conforto;

Como conseguirão viajar num combóio confortável entre Lisboa e Cascais ouvindo musica, e com temperatura ambiente controlada, quando o que desejavam era poder pôr a cabeça de fora e apanhar com uma fagulha fugida da chaminé da caldeira da locomotiva a vapor e ficar todos enfarruscados!

Como gostariam de frequentar a praia arregaçando as calças até ao joelho, e passear à beira mar com as botas e as peugas na mão, deitando olhares lascivos ao artelho deixado à vista pela subida distraida ou intencional das saias das damas sentadas em confortáveis cadeiras trazidas pelas servis e prestáveis criadas de impecável uniforme que as acompanhavam, mas não! Têm de usar uns diminutos fatos de banho, deixando muito pouco para imaginar o que falta destapar dos corpos expostos ao sol e ao mar!   

Como conseguirão aceitar que o Mosteiro de Alcobaça ou a Batalha, ou os Jerónimos, ou o Convento de Cristo, ou até a Sé de Lisboa, tendo sido feitas ao longo dos séculos, não tivessem seguido rigorosamente a traça que o primeiro mestre imaginou, e sejam aquelas amálgamas de estilos, de materiais, que agora nos são sugeridas como candidatas às Sete Maravilhas do País??

Vou agora descer da Colina da Saudade e acabar a ironia.

Há de facto realidades atrozes no que diz respeito ao que se tem construido, com qualidades variadas, discutíveis e discutidas (muitas vezes não do modo mais feliz...), há também muitos erros já cometidos, e outros a seram cometidos agora, no desenvolvimento dos nossos aglomerados urbanos, mas as operações de grande ou pequena cirurgia a serem feitas para um melhor futuro para todos, têm de ter em atenção que vivemos no século XXI, que é desejável a participação de todos, e não podemos pensar em utilizar métodos para impôr e repôr realidades de modos de viver e de ambientes ultrapassados, que não se compadecem com os tempos em que vivemos.

PS: Peço desculpa pela utilização certamente deficiente de adjectivos, porque embora eu também seja arquitecto, nem todos os sabem utilizar bem...

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