A propósito do tema, apresentei estes versos:
VERSOS COM REVERSO 1
A SURPRESA
Agarrou no papel e pousou – o na mesa de pedra.
Começou a escrever num impulso continuado.
A caneta transmitia ao papel o que lhe ia na alma,
As dores que transbordavam do seu peito!
Contou amargurado, em versos,
Histórias de amores proibidos;
Enumerou catástrofes naturais;
Listou os horrores das guerras.!
Escreveu tanto que encheu a página,
E quando quis continuar a versejar,
Verificou que não tinha mais papel,
Mas agora não podia parar!
Resolveu então escrever
Na parte de trás da folha,
E preparou-se para a rodar
Da maneira mais adequada.
.
Com o polegar e o indicador da mão direita
Pegou no bordo superior direito da folha;
E moveu-a como se faz à página de um livro
Depois de já estar lida.
Quando acabou esta operação,
O resultado foi surpreendente!
A página estava completamente cheia
De caracteres incompreensíveis!
Alguém já tinha antes escrito, mas o quê?!
Naquela folha de papel?!
Fez a operação inversa
Para voltar à primeira página.
Mas entretanto pôs-se de pé,
A ler os versos da primeira página.
E como em frente havia um espelho.
Viu nele repetido o que estava a ler!
Ficou muito admirado: Como é possível
Que o que eu escrevi na primeira página
Seja igual ao que leio no espelho?!
Como é que isto acontece?!
Lembrou-se então do Leonardo da Vinci
Que escrevia e lia tudo ao contrário
Com a ajuda de um espelho
Para enganar os inimigos!
Mas ele tinha escrito tudo bem,
Não estava nada invertido!
Como era isto possível?
Que mistério era aquele?
Sentou-se de novo com a folha na mão.
Pousou-a nos joelhos, e olhou para ela:
Nos intervalos dos versos, através da folha
Continuava a ver a cor azul das calças!
Pegou na folha, olhou-a a contra a luz,
E só então percebeu que tinha escrito os versos
De um dos lados de uma folha de papel transparente…
Do outro lado da folha, viam-se como o reverso num espelho,
Os versos que tão impulsivamente escrevera…
Eduardo Martins
Carcavelos, Setembro 2011
VERSOS COM REVERSO 2
REVERSOS CONTRA VERSOS
Ainda são escritos versos com lirismos,
Enfatizando paisagens bucólicas…
Chamemos-lhe “arqueologia sentimental”!
Porque os reversos, são os campos abandonados,
E as florestas ardendo ciclicamente,
Para alimentar as aberturas dos Telejornais!
Ainda são escritos versos com meninos
Indo por montes e vales, a pé para a escola da aldeia…
Onde é que isso já vai?
Os reversos são as carrinhas da Câmara
Que os levam, para os agrupamentos escolares na Sede do Concelho,
Onde, segundo dizem, o rendimento do ensino é muito melhor…
Ainda são escritos versos neo-realistas,
Imbuídos de realismo -socialista,
Imitando o Redol ou o Soeiro, ou os primeiros Saramagos!
Os reversos são os capitalismos emergentes
Dos países onde se prometiam terras sem amos, a Internacional,
E que agora vão comprando o que resta do mundo…
Ainda são escritos versos de teor religioso
Eivados de espiritualismos de outros séculos
Quando havia muita necessidade de justificar o desconhecido…
Os reversos são estas sociedades laicas que inventam outros deuses,
Que também são à sua imagem, e sem semelhança nenhuma,
E aos quais também se sacrifica tudo…
Ainda são escritos versos sobre tanta coisa já passada,
Mas porque o mundo mudou tanto nos últimos tempos,
Deseja-se que os versos sejam sobre um futuro realmente melhor,
Porque os reversos, que ainda são presente agora,
Impostos pelas troikas e baldroikas
São só de impostos que ainda temos de pagar!
Carcavelos Setembro 2011